Etereldes Gonçalves e Ethel Maciel reafirmam: volta às aulas depende de vacinação dos profissionais da Educação
Com o início da vacinação no Brasil e a franca ascensão dos casos e óbitos por Covid-19 na segunda onda da pandemia, a perspectiva da imunização dos profissionais da Educação como pré-requisito para a reabertura das escolas se fortalece, na avaliação da epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel.
O Espírito Santo, explica Ethel, atende hoje a apenas dois dos sete critérios estabelecidos em setembro passado pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) para reabertura das escolas com segurança.
“Seria importante que o Estado, juntamente com o governo federal, pudesse priorizar o sistema educacional e, portanto, incluir a vacinação de profissionais da educação na segunda fase de campanha. Assim, tendo os profissionais da educação vacinados e também os adultos com comorbidades que os estudantes venham a ter contato no ambiente familiar, estaríamos diminuindo a chance de transmissão na escola e promovendo um retorno mais seguro das atividades”, argumenta a especialista, em documento elaborado em conjunto com o matemático e também professor da Ufes Etereldes Gonçalves Junior, com objetivo de avaliar o cenário capixaba atualmente.
“Israel demonstrou que, três semanas após a vacinação atingir um percentual de 25% dos grupos prioritários, já foi possível observar uma redução na transmissão”, compara. “Um retorno seguro incluirá a garantia da vacinação e a observação do seu impacto nos indicadores apresentados”, reafirma.
No documento, os dois pesquisadores mencionam o número baixo de alunos que retornou às salas de aula a partir de setembro passado, quando o governo do Estado autorizou a reabertura das escolas. “Os dados que foram divulgados até o momento não mencionam um efetivo quantitativo de estudantes que estiveram presentes na escola, pois o retorno foi muito tímido e a maioria dos alunos e seus familiares, diante da pandemia, optaram pela manutenção do ensino remoto”.
No contexto mundial, informam, “os dados coletados no exterior sobre contaminação nas escolas ainda não são consistentes, porque boa parte dos países seguiu a determinação de fechamento desses espaços físicos. Quando ocorreu a reabertura, ela foi primeiramente direcionada aos estudantes filhos de trabalhadores essenciais e depois escalonada”.
Apenas um estudo realizado no Reino Unido traz um pouco mais de base para a análise do impacto da reabertura das escolas nesse momento, destacam. Nele, as escolas apresentam três vezes mais rico de contaminação de Covid-19 do que os hospitais, “o que ocasionou o fechamento, no lockdown (confinamento) de início de 2021”.
Os critérios
O primeiro critério que a Fiocruz estabelece para que um estado ou município possa reabrir as escolas, é ter um número de novas infecções menor que um para cada cem mil habitantes, o que, na realidade capixaba, equivale a 42 novos casos confirmados por dia. “Estamos a uma média móvel de 14 dias, calculada na última sexta-feira (15). No painel Covid-19 do estado, eram 1000 novos casos, muito superior ao preconizado para o retorno seguro”, afirmam os dois professores.
E os números só aumentam. “Mundialmente, foi constatado que demorou-se 180 dias para chegar a 500 mil mortes, 92 dias para 1 milhão, 66 dias para 1,5 milhão e 43 dias chegar aos 2 milhões de mortes, segundo dados do painel global da OMS [Organização Mundial da Saúde]. Isso demonstra a mudança na velocidade da pandemia e impõe um alerta global para a maior transmissão de novas variantes do vírus que circulam no mundo e no Brasil”, destacam os autores do documento.
Esse aumento do número de casos, prosseguem, influencia o cálculo do segundo critério, que é a Taxa de Reprodução (Rt). Atualmente, o Rt médio do Estado está em 0,84 – bem acima do limite de menos de 0,5, estabelecido pela Fiocruz – havendo muitas microrregiões onde ele está acima de 1 (veja gráficos abaixo).
Np terceiro indicador, a Fiocruz estabelece que a taxa de ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusivos para Covid-19 deve ser inferior a 25%. A taxa capixaba atualmente está acima de 70% durante todo esse início de 2021. “O mínimo de ocupação exigido justifica-se para dar garantia de que haverá possibilidade de internação em caso de surtos da doença nas escolas”, explicam.
Apenas o quarto e o quinto indicadores são atendidos pelo Estado e referem-se à previsão de esgotamento dos leitos de UTI e à redução de 12% ou mais no número de óbitos e casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Apesar de atender ao quinto critério, os pesquisadores ressalvam que “há muita volatilidade no indicador sobre a redução dos óbitos e casos de SRAG, pois depende muito do número de internações, que podem variar diariamente”.
O sexto indicador, não atendido pelo Espírito Santo, calcula a positividade, ou seja, o percentual de pessoas positivas no total de pessoas testadas na semana epidemiológica em questão. Para a Fiocruz, o percentual deve ser inferior a 5%.
No Espírito Santo, expõem os autores, o Laboratório Central (Lacen) não divulga esse dado e o Painel Covid-19 apenas mostra a positividade global, ou seja, o total de pessoas que já foram testadas desde o início da pandemia e o total de positivas. “Os últimos dados disponíveis, no entanto, mostram que essa condição ainda não é atendida, mesmo que a capacidade de testagem tenha subido por dia. Na prática, ainda precisamos garantir os exames dos contatos das pessoas com testes positivos, principalmente no ambiente escolar”.
Finalmente, o sétimo e último indicador também não é atendido, mesmo com a flexibilização parcial feita, com a retirada da obrigatoriedade de encontrar, com testes PCR, 80% dos contaminados a cada semana epidemiológica. “A obrigatoriedade dessa testagem em massa foi retirada para considerar apenas a testagem dos contactantes diretos dos positivos e, depois, progressivamente ampliar o potencial de testagem. No entanto, nem isso foi atendido. Dessa forma, temos pouca capacidade de controlar de forma efetiva a transmissão da doença”, advertem.
Infelizmente, sublinham Ethel e Etereldes, “a recomendação mais importante da Organização Mundial de Saúde tem sido pouco atendida em todo o Brasil, que é a testagem em massa e o isolamento precoce. Isto é: o ideal seria testar pessoas nas ruas, fazer a testagem por fluxo, em terminais de transporte coletivo e outros locais onde haja circulação de pessoas”.
Em síntese, explanam os dois cientistas, o conjunto dos sete indicadores da Fiocruz, mesmo com a flexibilização de parte do último deles, tem o objetivo de mostrar para a população e o poder público que “a pandemia precisa estar num patamar muito baixo, com viés de queda (Rt abaixo de 1), precisa ter capacidade hospitalar e de testagem, mais garantia de isolamento dos casos positivos”.
Somente nesse contexto, salientam, “pode-se dizer que o risco de haver um colapso rapidamente, com a reabertura das escolas, é menor. Infelizmente, o Espírito Santo ainda não atingiu esse estágio”.
O Painel Covid-19 confirmou, nesta segunda-feira (18), mais 30 óbitos, 1.853 casos novos e 1.764 pessoas curadas nas últimas 24 horas, totalizando, até o momento, 5.536 mortes, 277.357 infecções e 257.290 casos curados.